PASTORIL DO FACETA
1978 WEA Records (BR 83.003)
Original release 1973
possibly on the Rozenblitz label?
01 – Chamada do Velho Faceta
02 – Apresentacao do Velho Faceta – Os 25 Bichos
03 – Marimbondo Miudinho
04 – E Mais Embaixo
05 – Cuidado Cantor!
06 – O Casamento da Filha de Seu Faceta
07 – Brinquedinho de Taioba
08 – A Pulga
09 – Bacurinha
10 – A Nossa Mestre Tem o Pe de Ouro
11 – Despedida do Velho Faceta
Accordion – Zé Cupido
Other musicians uncredited
Liner notes by Hermilo Borba Filho
Vinyl -> Pro-Ject RM-5SE turntable (with Sumiko Blue Point 2 cartridge, Speedbox power supply) > Creek Audio OBH-15 -> M-Audio Audiophile 2496 Soundcard -> Adobe Audition 3.0 at 24-bits 96khz -> Click Repair light settings, some isolated clicks removed using Audition -> dithered and resampled using iZotope RX Advanced. Tags done with Foobar 2000
Ever since my narrow escape from John Wayne Gacy’s ice-cream truck in the 1970s, I have had a phobia of anything that mixes clownes with music. So it took me a while, many months if the truth must be told, of having this album sitting in my house propped up against a stack of other records, with its delirious clown face staring up at me, before I could bring myself to play it. I kept hiding it from myself, putting it far back in the stacks of records, burying it behind beat-up, unplayable copies of Roberto Carlos and Reginaldo Rossi albums, but still I knew it was there the whole time. Just waiting for me, daring me, to play it.
Well I finally got over my phobia and played it, and found it not to be very menacing at all. I should have done so sooner though, since in terms of this blog the only time worth posting this album is during the Christmas holidays. The phenomenon of Pastoril is linked to the `Ciclo Natalino` in the northeast of Brazil. But it’s not too late to have a listen.
On the back cover of this LP are some notes from dramatist/intellectual/literary critic Hermilo Borba Filho. Here is my loose translation of the final paragraph:
“Since we cannot save and protect, as human beings, these musicians, these choregraphers, these dancers and ballarinas, these actores, these singers, these poets – at least we can try to save their art by way of an honest representation or “script.” A strange thing is going to happen: the spectacle will die but the music and the verses will live. This is going to occur with Bumba-meu-Boi, with Mamulengo, Pastoril, Fandango, with Côco, Reisado, Chegança, Taieira, the Bambelo, with Ciranda, Maracatu, Caboclinhos, and Cavalhada. And thus here is one of the ways to provide some financial help and subsidies for the composers: the phonographic disc.”
— Hermilo Borba Filho 1973
As we can see, in this as in many things, Hermilo Borba Filho is full of crap. Most if not all of these traditions he mentions are alive and well and continue to be practiced in various pockets of the interior of northeast Brazil and in presentations found in the larger cities. Surely some of them have undergone a process of “folkloricization” over time, that type of ossification brought about by a curious mixture of a genuine desire to preserve the essence of a cultural practice combined with the tendency to want to freeze it in time like a fly caught in amber. But regardless of their character and how they have changed or developed over time, one thing is certain about this laundry list of popular cultural forms that Hermilo Borba lays out for us: they have *not* disappeared. This urge to preserve, or “salvage”, the cultural practices of ‘simpler’ people threatened by the relentless assault of modernity and mass culture was of course a central drive behind such academic disciplines/exercises as anthropology and folklore studies for a great deal of the twentieth century. Implicit in its assertions is that the people who have created and developed these artforms are incapable of either maintaining their own traditions or (gods forbid!) adapting them creatively into new contexts, without the helpful paternal guiding hand of better-educated elites.
Returning to the music in this post: if Pastoril HAD disappeared, and all we had left to show for it was this LP (you know, for those Martian archeologists that will descend on us one day to find out what humanity was all about) — well, this would be a pretty sad representation indeed. Essentially what we have before us here is the musical soundtrack that might accompany the figure of O Velho — the clown, jester, or harlequin of this dramatic ‘popular theatre’ that takes place in around the 25th of December. I present it here mostly for those who are more interested in such things than I myself am, for the sake of curiosity or nostalgia or research or all of the above. As Brazilians say, ‘this is not my beach’ (não é minha praia), and aside from my phobia of singing clowns I am just not terribly interested in Pastoril. I probably should be, and there is a fair amount of interesting stuff written debating its origins, just how ‘sacred’ or ‘profane’ its pratice is or has been, and of course whether or not singing clowns should even be allowed in public in the twenty-first century. One thing only that I am sure of, and that is that there is a lot more to Pastoril than what you will here on the two sides of this vinyl LP. Here is the a piece written by anthropologist Waldemer Valente in the 1970s that does a good job of encapsulating it all (but note again the tendency for doom-ridden sooth-saying about its eventual disappearance)
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O Pastoril integra o ciclo das festas natalinas do Nordeste, particularmente, em Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Alagoas. É um dos quatro principais espetáculos populares nordestinos, sendo os outros o Bumba-meu-boi, o Mamulengo e o Fandango.
De tais espetáculos, participa o povo ativamente, com suas estimulantes interferências não se comportando apenas como passivo espectador, a exemplo do que acontece com os espetáculos eruditos. Muitas destas interferências, servindo de deixa para inteligentes e engraçadas improvisações, imprimindo ao espetáculo formas diferentes e inesperadas de movimento e animação.
A comunicação entre palco – geralmente um coreto – e platéia – esta, quase sempre ocupando grandes espaços abertos – entre personagens e espectadores, não se faz somente sob influência que a peça, por seu enredo e por sua interpretação, possa exercer sobre a assistência. Nem simplesmente – aqui admitindo teatro erudito bem educado – através dos aplausos convencionais, quase sempre sob forma de palmas. Palmas que às vezes revelam apenas educação ou incentivo.
No Pastoril, os espectadores, representados pelo povo, a comunicação com os personagens faz-se franca e informalmente, não só com palmas, mas com vaias e assobios, com dedos rasgando as bocas, piadas e ditos, apelidos e descomposturas.
Tudo isto enriquece o espetáculo de novos elementos de atração, dando-lhes nova motivação, reativando-o, recriando-o pela substituição de elementos socialmente menos válidos, por outros mais atuantes e mais condizentes com o gosto e os interesses momentâneos da comunidade para a qual ele exibe. Deste modo, revitaliza-se o espetáculo, permanecendo sempre dinâmico e atualizado, alimentando no espírito do povo e no dos próprios personagens um conteúdo emocional que tem no imprevisto e no suspense sua principal tônica.
Nos começos, o auto natalino, que deve ter surgido na terceira década do século XIII, em Grecio, sua primeira apresentação teatral não passava do drama hierático do nascimento de Jesus, com bailados e cantos especiais, evocando a cena da Natividade.
Com o correr do tempo, os autos baseados na temática natalina se separam em duas direções: uns, seguindo a linha hierática, receberam o nome de Presépios ou Lapinha, outros, de Pastoris.
Em Pernambuco, o primeiro Presépio surgiu nos fins do século XVI, em cerimônia realizada, no Convento de São Francisco, em Olinda.
Com as pastorinhas cantando loas, tomou o Presépio não só forma animada, mas dramática, ao lado da pura representação estática de gente e de bichos.
A dramatização do tema, agindo em função didática, permitiu fácil compreensão do episódio na Natividade. A cena para da, evocativa do nascimento de Jesus, movimenta-se, ganha vida, sai do seu mutismo, com a incorporação de recursos, não apenas visuais, também sonoros.
O Presépio, representado em conventos, igrejas ou casas de família, reunia mocinhas e meninas, cantando canções que lembram o nascimento de Cristo.
As canções, obedecendo a uma seqüência de atos que se chamam jornadas, são entoadas com o maior respeito e ar piedoso pelas meninas e jovens de pastorinhas.
O Pastoril, embora não deixasse de evocar a Natividade, caracteriza-se pelo ar profano. Por certa licenciosidade e até pelo exagero pornográfico, como aconteceu nos Pastoris antigos do Recife.
As pastoras, na forma profana do auto natalino, eram geralmente mulheres de reputação duvidosa, sendo mesmo conhecidas prostitutas, usando roupas escandalosas para a época, caracterizadas pelos decotes arrojados, pondo à mostra os seios, e os vestidos curtíssimos, muito acima dos joelhos.
Do Pastoril faz parte uma figura curiosa: O Velho. Cabia ao Velho, com suas largas calças, seus paletós alambasados, seus folgadíssimos colarinhos, seus ditos, suas piadas, suas anedotas, suas canções obsenas, animar o espetáculo, mexendo com as pastoras, que formavam dois grupos, chamados de cordões: o cordão encarnado e o cordão azul. Também tirava o Velho pilhérias com os espectadores, inclusive, recebendo dinheiro para dar os famosos “bailes”, – descomposturas – em pessoas indicadas como alvo. “Bailes”, que, muitas vezes, terminavam, terminavam, nos pastoris antigos dos arrabaldes do Recife, em charivari, ao qual não faltava a presença de punhais e pistolas.
O Velho também se encarregava de comandar os “leilões”, ofertando rosas e cravos, que recebiam lances cada vez maiores, em benefícios das pastoras, que tinham seus afeiçoados e torcedores.
Nos Presépios atuais, como nos Pastoris, encontram-se ainda os dois cordões. O Encarnado, no qual figuram a Mestra, a 1ª do Encarnado e a 2ª do Encarnado, e o Azul, com a Contra-Mestra, a 1ª do Azul e a 2ª do Azul.
Entre os dois cordões, como elemento neutro, moderando a exaltação dos torcedores e simpatizantes, baila a Diana, com seu vestido metade encarnado, metade azul.
Foram famosos no Recife, até começos da década de 30, os pastoris do Velho Bahu, que funcionava aos sábados, ora na Torre, ora na ilha do Leite, também, os dos velhos Catotas, Canela-de-Aço e Herotides.
Hoje, os pastoris desapareceram do Recife. Só nos arrabaldes mais distantes ou em algumas cidades do interior, eles são vistos. Mesmo assim, sem as características que marcavam os velhos pastoris do Recife, não deixando, no entanto, de cantar as jornadas do começo e do fim: a do Boa Noite e da despedida. O que vemos hoje são presépios ou lapinhas.
Presépio tradicional do Recife, exibindo-se em grande sítio do Zumbi, era dos irmãos Valença, infelizmente há vários anos sem funcionar.
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